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sábado, 15 de fevereiro de 2014

Sobre a impermanência das coisas do mundo ( ou das coisas desta cidade)

Sim, caros poucos leitores, se ainda existem, esta tranqueira não foi abandonada, este tipinho desprezível retorna do fundo da noite paulistana munido de suas futilidades que imagina serem reflexões profundas.

Para iniciar este texto, a primeira idéia foi citar algum dos pensadores-autores latinos do período imperial de Roma, imbatíveis nos textos que pensam sobre a volatilidade da mesquinha vida humana e em nos ajudar a suportar as agruras que encaramos por nos agarrar tanto a ela, a vida. Não julgando esta tranqueira digna das palavras imortais dos mestres do Lácio, pus a idéia de lado, talvez ponha algo deles lá pelo final. Vamos ao que interessa.

Como já deixei claro em várias postagens, resido no Centro de São Paulo e faço a maior parte de minhas incursões ou razias noturnas na mesma região. Bem, já há vários meses que me apercebi de um acontecimento que passou pelo coração da cidade e mudou a rotina noturna e práticas de parte de uma das mais características tribos que percorrem o centrão; logo me pus a descrever e comentar esse acontecimento com alguns dos meus companheiros dessas incursões e sobreviventes, como eu, desse evento. Todos concordaram, alguns com espanto, outros disparando observações ou melancólicas, ou algo indiferentes sobre a mudança  que se abateu sobre nosso amado centro e sobre nós.
E o que aconteceu, afinal?
Simples, toda uma comunidade, uma subcultura, se preferirem, que percorria as ruas e bares de uma parcela do centrão, não desapareceu, continua viva e presente, mas sofreu uma rápida e dolorosa adaptação, pois o circuito que percorria foi transformado, para não dizer destroçado, em um lapso de tempo curto e claro, traumático. Devido a essa intempérie muitos de nós se dispersaram, sumiram, outros tornaram-se visitantes, ocasionais, mas a maior parte continua a enxamear pelo centro, ou ao menos tenta, pois a alternativa é ir para casa, ficar sentado, engordar e esperar a inevitável decadência.
Em suma, uma sucessão de desditas se abateu sobre nossa comunidade e nos obrigou a deixar antigos pontos de encontro e buscar outros: nossa casa noturna podreira, com dark room fétido e tudo mais, fechou e sua sucessora, dos mesmos "donos" - não adianta insistir, não explicarei as aspas - mas não no mesmo local, apenas envergonhou o belo nome decadente da casa-mãe, até igualmente fechar, para alívio geral; nosso bar-pulgueiro favorito, onde nos encontrávamos, bebíamos as primeiras da noite e combinávamos nossas zueiras e putarias para dali a pouco, tornou-se um antro maldito e proibido a qualquer ser que tenha um mínimo de amor à vida; os becos e ruas das imediações do antro para o qual acorremos,  mais acima do primeiro, logo foram tomados pelos malditos e boçais carecas ou skins, sempre sedentos de afirmar sua idiotice esmigalhando corpos alheios; a violência, tretas e brigas cresceram em progressão infinitométrica, nossas opções para circular e nos concentrarmos, enfim, tornaram-se muito restritas e essa asfixia logo degenerou num sentimento de  tédio e repetição do qual até mesmo as conquistas amorosas-sexuais que arrebanhávamos foram vítimas: as mulheres eram sempre as mesmas, as intrigas que elas, as mulheres, provocavam, devido a essa pouca possibilidade de variedade, foram irritantes e patéticas, para usar termos leves; até mesmo o único supermercado da região que ficava aberto por toda a noite, nos socorreu inúmeras vezes e fornecia a última cerveja da noite (que também era a primeira da manhã, se é que me entendem) e o salgadinho podre tão delicioso, naquelas horas terminais e malucas, fechou ou está muito perto disso, pois não mais permanece aberto madrugada adentro.  
Como dito acima, não desaparecemos, estamos tentando nos adaptar à situação. E como dito acima, muitos preferiram debandar, outros mal perceberam o que se passou, simplesmente seguiram o rumo que a mulherada, que as "rampeiras do metal" tomaram, e as seguiram. Mas este escriba, contaminado por tantas vivências e leituras, amaldiçoado pelo vício de juntar ambas, leituras e experiências, de querer dar um sentido, uma aura profunda, filosófica e até mesmo épica a tudo que vive e presencia, não poderia deixar de registrar o fim de uma era do centro de São Paulo, por mais que essa era seja restrita a apenas uma parte de uma das tribos urbanas que  nele fervilham e que isso portanto soe fútil e não faça diferença a ninguém mais além de um bando de mulherengos contumazes e embriagados. 
Bem, o exercício de querer dar grandeza à vidinha sempre foi, é e será a essência desta tranqueira.

Saudações noturnas e cafajestes.